ESCRITA; UM PROCESSO VIVO E INTERATIVO.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

ESCRITA; UM PROCESSO VIVO E INTERATIVO.


A escrita foi uma invenção decisiva para a história da humanidade, desde a pré-história, o homem sente necessidade de expressar seus pensamentos, bem como buscar uma maneira de registrar seus conhecimentos de forma duradoura.
          Por meio de registros escritos há milhares de anos, ficamos sabendo como era a vida e a organização social de povos que viveram muito antes de nós. A invenção não surgiu por acaso, mas como conseqüência das mudanças profundas nas sociedades durante o período do surgimento das primeiras cidades.  
          Pelo menos quatro sistemas de escrita foram inventados de forma independente em épocas diferentes, por quatro povos distintos, na Mesopotâmia, Egito, China e América Central.  E é sobre isso que trata o primeiro capitulo desse trabalho, um levantamento Histórico sobre o surgimento da escrita.
         Tratando da modernidade Brasileira, e da implantação, em nosso país, do modelo republicano de escola, passamos a observar que, desde essa época, o que hoje denominamos “fracasso escolar na alfabetização” se vem impondo como problema estratégico a demandar soluções urgentes, o que vem mobilizando administradores públicos, legisladores do ensino, intelectuais de diferentes áreas de conhecimento, educadores e professores.
        Com o objetivo de fazer um levantamento Histórico da idéia de alfabetização universal no Brasil e a fim de compreender esse processo de alfabetização e buscar respostas à questão do fracasso dos métodos de ensino inicial da leitura e escrita, estabeleço como ponto de partida para essa analise a seguinte questão: porque no Brasil os métodos de alfabetização não demonstram a eficácia desejada? Assim faço uma analise geral do surgimento da escrita e da idéia de alfabetização universal e sua implantação em nosso país, dividida assim, em quatro momentos a historia da alfabetização no Brasil.

O surgimento da escrita. 

Os mais antigos testemunhos escritos encontrados são provenientes da região da Mesopotâmia (atual Iraque), feitos 3.300 anos antes de Cristo. Os sumérios, que habitavam a Mesopotâmia, - povos que viveram antes dos assírios e babilônios na mesma região-, desenvolveram a escrita cuneiforme. O termo vem de cunha, que era uma pequena ferramenta de entalhe que gravava símbolos em plaquinhas de cerâmica, com ela, não era preciso ser um grande desenhista para compor todos os caracteres.   
Não muito longe dali, e pouco depois, os egípcios criaram os hieróglifos, nos seus primeiros tempos, a escrita no Egito era reservada a uma classe de especialistas, os escribas. Eles ocupavam uma posição de destaque, passavam por um processo de formação e era o elo entre o faraó, outros funcionários do governo, os sacerdotes e o povo. Até a Idade Média, quando foi criada a imprensa, em 1450, as pessoas comuns ainda não aprendiam a ler e escrever.
A ideia de que todas as crianças devem aprender a ler e escrever só foi difundida no século XIX. Por muito tempo, a escrita antiga permaneceu misteriosa. Os hieróglifos só foram  decifrados no século XIX, pelo estudioso francês Jean-François Champollion, a partir de uma pedra que continha inscrições em hieróglifos e sua tradução para grego.
Na América Central, povos como os maias e os astecas tinham seus próprios sistemas de escrita quando os europeus conquistaram a região, e grande parte dos seus documentos escritos foram destruídos. Sabe-se que a escrita nahuatl, por exemplo, surgiu por volta do século XIII, mas ela ainda não foi totalmente decifrada pelos estudiosos.                  
A China também foi berço de um sistema original, criado há mais de 3 mil anos. Eles foram os responsáveis pela invenção do papel. Antes disso, muitos outros suportes foram usados para a escrita. Os livros já foram feitos de placas de barro, madeira, metal, osso e até bambu. Escrituras em tecidos, couro, cascas de árvore e em papiro, uma espécie de papel mais fibroso, eram enroladas ou dobradas. O pergaminho era obtido a partir do couro curtido, formando rolos e podia ser lavado ou lixado para apagar uma mensagem e escrever outra por cima.
Ha diferentes tipos de escrita, porque suas origens são diferentes. A escrita evoluiu a partir do desenho é o que chamamos pictografia. O significado deriva diretamente da figura que o representa, por isso dizemos que é um sistema figurativo. A partir da escrita pictográfica, os traços foram sendo simplificados e o desenho já não parecia mais com o objeto que representava. Quando temos um sistema de escrita que possui um símbolo para cada coisa, como os chineses fazem até hoje, chamamos de sistema ideográfico.                                                         
O sistema ideográfico parece complexo para nós porque é necessário conhecer um número grande de símbolos para conseguir ler um texto de jornal, por exemplo. Com o alfabeto é diferente, conseguimos ler qualquer palavra desde que conheçamos umas duas ou três dezenas de símbolos. Isso porque o alfabeto é uma invenção que parte de uma outra ideia: representar não a coisa em si, mas o som. O alfabeto é uma tentativa de desenhar o som da língua. Ele é resultado da decomposição do som das palavras em sílabas ou em fonemas - o som das letras. Cada letra representa um fonema ou mais de um (o C, por exemplo, pode ter som de k – como em casa - ou de s como na palavra cidade, por exemplo).
O nosso alfabeto é o latino e descende do grego. O grego, por sua vez, foi derivado do fenício, que trouxe uma grande inovação. Com apenas 22 letras, o alfabeto fenício era muito mais simples do que a escrita cuneiforme e a hieroglífica. O alfabeto fenício era consonantal, pois só registrava as consoantes, e não as vogais, que só seriam inventadas mais tarde pelos gregos. Os fenícios habitavam uma parte do que hoje é a Síria e o litoral do Líbano, e o alfabeto que eles desenvolveram surgiu da necessidade de controlar e facilitar o comércio.            
O alfabeto hebraico e o árabe até hoje não usam vogais, por isso são chamados consonantais. O alfabeto latino é fonético e vocálico, enquanto que o brahmi, sistema indiano que deu origem a muitos outros na Ásia, é silábico.                                                                                        
A escrita nos faz reviver as diferentes civilizações, informando-nos sobre o cotidiano, história, ciência, literatura, religião. Enfim, ela nos deixa o legado de um patrimônio cultural das civilizações já desaparecidas. E por elas, compreendemos como a escrita atual foi desenvolvida.
Na verdade, a escrita, assim como as línguas, está em permanente processo de evolução. Ela reflete e acompanha a maneira como as sociedades vivem seus hábitos, tecnologia e peculiaridades. Segundo as palavras de Capra, Fritjof “...na qualidade de seres humanos nós existimos dentro da linguagem e tecemos continuamente a teia lingüística que estamos inseridos. Nos coordenamos nosso comportamento pela linguagem e criamos ou produzimos nosso mundo...”.
Exemplo Evidente da evolução da forma de escrever é que hoje, a maioria dos alunos já não dão tanta importância a ter uma letra bonita no caderno, porque o acesso a computadores torna mais fácil a produção da escrita em letra de forma, digitada. E vemos, nos e-mails e nas trocas de mensagens escritas simultâneas pela Internet – nos chats –, uma variação da linguagem, produzida pela pressa em digitar. Por exemplo, quando escrevemos vc e tb, no lugar das palavras você e também. O uso de símbolos gráficos – os emoticons, como  ; >)  (um rostinho sorrindo e piscando um olho) –  tenta imitar as expressões faciais que acompanham a linguagem oral. Tudo isso mostra como a escrita é um processo vivo e ativo, inventado e reinventado pela humanidade todos os dias.   
                                            
A era das letras fundidas

Os livros mais antigos eram impressos em pergaminho, mas foi o papel que deu impulso à tipografia. O papel como substituto do pergaminho começou a ser usado na Europa cerca de três séculos antes de se fundirem os primeiros tipos de metal. Os chineses guardaram em segredo o processo de fabricação do papel, só revelando-o forçadamente aos conquistadores mongóis no século VIII. Esses conquistadores transmitiram o conhecimento aos persas, que, por sua vez, o repassaram aos árabes e, esses, aos espanhóis.
Ao ser introduzido na Europa por volta do séc. XII encontrou diversos obstáculos: a demanda era baixa, pois o pergaminho produzido era satisfatório; a educação estava atrasada, poucos sabiam ler e devido a sua origem muçulmana, não teve a simpatia da Igreja. Somente com o aparecimento da imprensa no séc. XV começou a ser utilizado em larga escala.
Embora no oriente se tivesse feito muita coisa no campo da impressão tabulária e da impressão com caracteres móveis, as invenções chinesas não tiveram qualquer influência na criação de tipos móveis na Europa, onde a  descoberta da imprensa tipográfica abriu uma nova era na história intelectual da humanidade. A verdadeira essência da invenção européia na tipografia surgiu em meados do séc. XV época de transição e confusão. O método europeu de impressão consistiu em utilizar tipos móveis de metais, fundidos em matrizes, em quantidades desejadas e por um preço razoável.
O mérito da descoberta da tipografia é atribuído a Johann Gutenberg por volta do ano de 1450, mas é provável que ele já a tivesse descoberto antes  do ano de 1448.                   
A partir da revolução tecnológica operada por Gutenberg, a escrita passou a ficar duradouramente fixada em letras de chumbo; as formas das letras já não evoluíram exclusivamente pela invenção, destreza e fluidez da mão do calígrafo, já não sofriam as mutações próprias do gesto humano de escrever. A materialização das letras em metal limitou drasticamente os caprichos da estética da letra manuscrita, mas também anulou as variações (e os erros) dos copistas.
Em vez de manu-scritos e de cali-grafia, passamos a ter uma tipo-grafia. A partir deste ponto, serão os mestres tipógrafos que orientam a evolução das letras. Com o advento da fundição de tipos, passamos a falar de letras fundidas, de founts, de fontes.
A rápida reprodução de textos com tipos móveis levados ao prelo foi um acelerador decisivo para a difusão das ideias do Humanismo, da Renascença – e também, depois de 1500 – do Protestantismo, ajudando a levar a termo o sombrio período da Idade Média e o monopólio cultural da Igreja Católica. A introdução da tipografia no Brasil foi tardia, devido ao temor das autoridades portuguesas sobre os efeitos políticos de tal inovação técnica. Somente com a chegada da família real é que a tipografia se radicou de vez no Brasil, com a Impressão Régia na cidade do Rio de Janeiro, conforme dispõe o diploma de 13 de maio de 1808, assinado pelo príncipe regente.

Ensino universal: uma concepção social de alfabetização
                                                                                                                            Com a revolução Francesa, a proposta de ensino universal e gratuito torna-se uma realidade na Europa e a escola sob o controle do estado e do poder publico visava massificar e uniformizar o ensino.  A indústria nascente, o sufrágio universal, a urbanização crescente, a necessidade de adoção de novos valores propagados pela classe dominante vieram demonstrar a urgência de garantir a ordem e a estabilidade social através de uma instituição que ao mesmo tempo, veiculasse os valores dominantes e dotasse o cidadão dos rudimentos da leitura e escrita adequada à situação emergente.
Paralelamente, a educação passa a ser vista pelos pais como a esperança de ascensão social, poupando os filhos de um futuro de trabalho considerado rude e mal remunerado. Destarte cresce a demanda pela educação. Isso, porque antes a alfabetização era vista como um imperativo de fé, ou seja, garantia de acesso à santa doutrina, com os novos tempos, a revolução, a republica e a exigência de modernização social passa a existir uma concepção social da alfabetização.                                                                              
Barbosa cita em alfabetização e leitura em seu capitulo de abertura que “...a generalização da alfabetização abre uma nova era na História da humanidade. As sociedades ocidentais iniciam  um período caracterizado pela revolução permanente que ressoa no plano político, econômico, social e cultural. Numa época marcada pela emergência das nações democráticas, pelo avanço da industrialização, pelo crescimento das cidades e erupção do individualismo e pela supremacia da cultura visual. Que esta a origem da concepção de alfabetização que herdamos...                                                       
Quando analisamos historicamente esse processo cultural da nossa sociedade, percebemos que existe uma convicção generalizada de que as metodologias tradicionais alfabetizam. Essa convicção parece estar correta quando examinamos dados estatísticos da evolução da população alfabetizada no mundo.  A parcela de nações que obteve êxito na generalização da alfabetização coincide com o grupo dos países desenvolvidos. Para esse países segundo as palavras de Barbosa “...a democratização escolar derivou o desaparecimento quase total do analfabetismo, isso em função de sua tradição escolar, porem não configurou o aparecimento do leitor...”
No que se refere aos países de escrita alfabética, certamente foram utilizadas as chamadas metodologias tradicionais de alfabetização confirmando então a convicção de que as metodologias tradicionais alfabetizam.                                                             
Barbosa, J.J questiona essa eficácia dos métodos de Alfabetização nos países em vias de desenvolvimento ou de economia periférica, segundo ele “...o analfabetismo vem sempre acompanhado do subdesenvolvimento e, portanto, da pobreza, da doença, da fome e da marginalização social... Nestes casos a escola parece exercer uma seleção cruel, pois além da seletividade externa é impiedosa na seleção interna... O que de fato caracteriza dois problemas referentes à marginalização e o fracasso escolar, primeiro porque a escola não consegue atender ao universo da população e segundo, porque ainda produz índices elevados de repetência e evasão escolar, ou seja, a metodologia tradicional utilizada por essa escola que produz o fracasso escolar demonstra a ineficácia de tais métodos em tais países...” 

Tradições relativas ao ensino inicial da leitura e escrita no Brasil.

A constituição dos chamados sistemas nacionais de ensino datam do inicio século XIX no Brasil. Sua organização inspirou-se no principio de que a alfabetização é direito de todos e dever do estado. O direito de todos à educação e a alfabetização decorria do tipo de sociedade moldada pela classe que se consolidara no poder: a burguesia. Tratava-se de construir uma sociedade democrática, de consolidar a democracia burguesia.
Para superar a situação de opressão, própria do “antigo regime”, e ascender a um tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado livremente entre os indivíduos, era necessário vencer a barreira da ignorância. Só assim seria possível transformar súditos em cidadãos, isto é, em indivíduos livres porque esclarecidos.                                                            
Em nosso país, a partir do final do século XIX, especialmente com a proclamação da República, a educação ganhou destaque como uma das utopias da modernidade. A escola, por sua vez, consolidou-se como lugar necessariamente institucionalizado para o preparo das novas gerações, com vistas a atender aos ideais do estado republicano, pautado pela necessidade de instauração de uma nova ordem política e social; a universalização da escola assumiu importante papel como instrumento de modernização e progresso do Estado - Nação, como principal propulsora do “esclarecimento das massas iletradas”.                    
No âmbito desses ideais republicanos, saber ler e escrever tornou-se instrumento privilegiado de aquisição de saber e imperativo da modernização e desenvolvimento social. A leitura e a escrita — que até então eram práticas culturais, cuja aprendizagem se encontrava restrita a poucos e ocorria por meio de transmissão sistemática de seus rudimentos no âmbito privado do lar, ou de maneira menos informal, mas ainda precária, nas poucas “escolas” do Império (“aulas régias”) — tornaram-se fundamentos da escola obrigatória, laica e gratuita, a alfabetização sistemática passa a ser objeto de ensino e aprendizagem escolarizados.
Caracterizando-se como tecnicamente ensináveis, as práticas de leitura e escrita passaram, assim, a ser submetidas a ensino organizado, sistemático e intencional, demandando, para isso, a preparação de profissionais especializados.
Desse ponto de vista, os processos de ensinar e de aprender a leitura e a escrita na fase inicial de escolarização de crianças se apresentam como um momento de passagem para um mundo novo — para o Estado e para o cidadão —: o mundo público da cultura letrada, que instaura novas formas de relação dos sujeitos entre si, com a natureza, com a história e com o próprio Estado; um mundo novo que instaura, enfim, novos modos e conteúdos de pensar, sentir, querer e agir.    
No entanto, especialmente desde as últimas duas décadas, as evidências que sustentam originariamente essa associação entre escola e alfabetização vêm sendo questionadas, em decorrência das dificuldades de se concretizarem as promessas e os efeitos pretendidos com a ação da escola sobre o cidadão. Explicada como problema decorrente, ora do método de ensino, ora do aluno, ora do professor, ora do sistema escolar, ora das condições sociais, ora de políticas públicas. A recorrência dessas dificuldades de a escola dar conta de sua tarefa histórica fundamental não é, porém, exclusiva de nossa época.                                                                                                                   
Holanda, B. S em raízes do Brasil, refletindo sobre os primeiros passos do estado Brasileiro independente refere-se à alfabetização como uma miragem. Isso porque o modelo de sociedade brasileira se caracterizava por ser essencialmente agrário exportador com população predominantemente rural não só isso, mas, nas palavras do próprio Sergio a simples alfabetização em massa não constituía um beneficio sem par, desacompanhada de outros elementos fundamentais da educação que a completam não teria um efeito satisfatório.
Cabe acrescentar, que no momento da implantação dos primeiros métodos de alfabetização no Brasil era grande o prestigio de determinadas teorias que traziam o endosso de citações e nomes estrangeiros. Sobre essa questão Holanda, S. B. se manifesta com as seguintes palavras: “... não têm conta entre nós os pedagogos da prosperidade que apegando-se a certas soluções onde, na melhor das hipóteses, se abrigam verdades parciais, transformam-nas em requisito obrigatório e único de todo progresso. É bem característico, para citar um exemplo, o que ocorre com a miragem da alfabetização do povo. Quantas inúteis retóricas se tem desperdiçado para provar que todos os males ficariam resolvidos de um momento para o outro se tivéssemos amplamente difundido as escolas primarias e o conhecimento do ABC...”                                                                                        
Decorridos mais de cem anos desde a implantação, em nosso país, do modelo republicano de escola, podemos observar que, desde essa época, o que hoje denominamos “fracasso escolar na alfabetização” se vem impondo como problema estratégico como demandar soluções urgentes e vem mobilizando administradores públicos, legisladores do ensino, intelectuais de diferentes áreas de conhecimento, educadores e professores.                
Desde essa época, observam-se repetidos esforços de mudança, a partir da necessidade de superação daquilo que, em cada momento histórico, considerava-se tradicional nesse ensino e fator responsável pelo seu fracasso. Por quase um século, esses esforços se concentraram, sistemática e oficialmente, na questão dos métodos de ensino da leitura e escrita, e muitas foram às disputas entre os que se consideravam portadores de um novo e revolucionário método de alfabetização e aqueles que continuavam a defender os métodos considerados antigos e tradicionais.

A questão dos métodos de alfabetização
A fim de compreender esse processo e para a busca de respostas à questão dos métodos de ensino inicial da leitura e escrita, desde as décadas finais do século XIX, e com base na analise feita por Mortatti, Maria.R.L  essa analise dividi o período em quatro momentos cruciais, caracterizado pela disputa em torno de certas tematizações, normatizações e concretizações relacionadas com o ensino da leitura e escrita e consideradas novas e melhores, em relação ao que, em cada momento, era considerado antigo e tradicional nesse ensino.
Em decorrência dessas disputas, tem-se, cada um desses momentos, a fundação de uma nova tradição relativa ao ensino inicial da leitura e escrita no Brasil. Até o final do Império brasileiro, o ensino carecia de organização, e as poucas escolas existentes eram, na verdade, salas adaptadas, que abrigavam alunos de todas as “séries” e funcionavam em prédios pouco apropriados para esse fim; eram as “aulas régias”, já mencionadas. Em decorrência das precárias condições de funcionamento, nesse tipo de escola o ensino dependia muito mais do empenho de professor e alunos para subsistir. E o material de que se dispunha para o ensino da leitura era também precário embora, na segunda metade do século XIX, houvesse aqui algum material impresso sob a forma de livros para fins de ensino de leitura, editados ou produzidos na Europa.
Habitualmente iniciava-se o ensino da leitura com as chamadas “cartas de ABC". Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha sintética (da "parte" para o "todo"): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético), na seqüência de seus sons (método fônico), e em seguida o das famílias silábicas (método da silabação), sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade.
Posteriormente, reunidas às letras, os sons, em sílabas, as conhecidas famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com essas letras sons e sílabas e, por fim, ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas.
Quanto à escrita, ensinavam-se, à cópia, os ditados e a formação de frases, enfatizando-se o desenho correto das letras. As primeiras cartilhas brasileiras, produzidas no final do século XIX, sobretudo por professores fluminenses e paulistas a partir de sua experiência didática, baseavam-se nos métodos de marcha sintética (de soletração, fônico e de silabação) e circularam em várias províncias do país por muitas décadas.
Em 1876, data que segundo Mortatti e o marco inicial do primeiro momento  nessa história, foi publicada em Portugal a Cartilha Maternal ou Arte da Leitura, escrita pelo poeta português João de Deus. 
A partir do início da década de 1880, o “método João de Deus” contido nessa cartilha passou a ser divulgado sistemática e programaticamente principalmente nas províncias de São Paulo e do Espírito Santo, por Antonio da Silva Jardim, positivista militante e professor de português da Escola Normal de São Paulo. Diferentemente dos métodos até então habituais, o “método João de Deus” ou “método da palavração” baseava-se nos princípios da moderna lingüística da época e consistia em iniciar o ensino da leitura pela palavra, para depois analisá-la a partir dos valores fonéticos das letras. Por essas razões, Silva Jardim considerava esse método como fase científica e definitiva no ensino da leitura e fator de progresso social.
Esse primeiro momento se estende até o início da década de 1890 e nele tem início uma disputa entre os defensores do "método João de Deus" e aqueles que continuavam a defender e utilizar os métodos sintéticos: da soletração, fônico e da silabação. Com essa disputa, funda-se uma nova tradição: o ensino da leitura envolve necessariamente uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o como ensinar metodicamente, relacionado com o que ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem didática subordinada às questões de ordem lingüística (da época).
A partir de 1890, implementou-se a reforma da instrução pública no estado de São Paulo. Pretendendo servir de modelo para os demais estados, essa reforma se iniciou com a reorganização da Escola Normal de São Paulo e a criação da Escola-Modelo e em 1896, foi criado o Jardim da Infância nessa escola. Do ponto de vista didático, a base da reforma estava nos novos métodos de ensino, em especial no então novo e revolucionário método analítico para o ensino da leitura, utilizado na Escola-Modelo, onde os normalistas desenvolviam atividades "práticas" e onde os professores dos grupos escolares (criados em 1893) da capital e do interior do estado deveriam buscar seu modelo de ensino.
A partir dessa primeira década republicana, professores formados por essa escola normal passaram a defender programaticamente o método analítico para o ensino da leitura e disseminaram-no para outros estados brasileiros, por meio de “missões de professores” paulistas. Especialmente mediante a ocupação de cargos na administração da instrução pública paulista e a produção de instruções normativas, de cartilhas e de artigos em jornais e em revistas pedagógicas, esses professores contribuíram para a institucionalização do método analítico, tornando obrigatória sua utilização nas escolas públicas paulistas.
Embora a maioria dos professores das escolas primárias reclamasse da lentidão de resultados desse método, a obrigatoriedade de sua utilização no estado de São Paulo perdurou até se fazerem sentir os efeitos da “autonomia didática” proposta na "Reforma Sampaio Dória" (Lei 1750, de 1920).
Diferentemente dos métodos de marcha sintética até então utilizados, o método analítico, sob forte influência da pedagogia norte-americana, baseava-se em princípios didáticos derivados de uma nova concepção — de caráter biopsicofisiológico — da criança, cuja forma de apreensão do mundo era entendida como sincrética.
A despeito das disputas sobre as diferentes formas de desenvolvimento do método analítico, o ponto em comum entre seus defensores consistia na necessidade de se adaptar o ensino da leitura a essa nova concepção de criança.
De acordo com esse método analítico, o ensino da leitura deveria ser iniciado pelo “todo”, para depois se proceder à análise de suas partes constitutivas.
As cartilhas produzidas no âmbito do segundo momento, especialmente no início do século XX, passaram a se basear programaticamente no método de marcha analítica (processos da palavração e sentenciação), buscando se adequar às instruções oficias, no caso paulista.
Iniciou-se, assim, uma acirrada disputa entre partidários do então novo e revolucionário método analítico para o ensino da leitura e os que continuavam a defender e utilizar os tradicionais métodos sintéticos, especialmente o da silabação. Concomitantemente a essa disputa, teve lugar uma outra relativa aos diferentes modos de aplicação do método analítico.
Nesse momento, que se estende até aproximadamente meados dos anos de 1920 a ênfase da discussão sobre métodos continuou incidindo no ensino inicial da leitura. Já que o ensino inicial da escrita era entendido como uma questão de caligrafia (vertical ou horizontal) e de tipo de letra a ser usada (manuscrita ou de imprensa, maiúscula ou minúscula), o que demandava especialmente treino, mediante exercícios de cópia e ditado. É também ao longo desse momento, já no final da década de 1910, que o termo “alfabetização” começa a ser utilizado para se referir ao ensino inicial da leitura e da escrita.
As disputas ocorridas nesse momento fundam uma outra nova tradição: o ensino da leitura envolve enfaticamente questões didáticas, ou seja, o como ensinar, a partir da definição das habilidades visuais, auditivas e motoras da criança o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem didática subordinada às questões de ordem psicológica da criança.
Em decorrência da “autonomia didática” proposta pela "Reforma Sampaio Dória" e de novas urgências políticas e sociais, a partir de meados da década de 1920 aumentaram as resistências dos professores quanto à utilização do método analítico e começaram a se buscar novas propostas de solução para os problemas do ensino e aprendizagem iniciais da leitura e da escrita.
Os defensores do método analítico continuaram a utilizá-lo e a fazer propaganda de sua eficácia. No entanto, buscando conciliar os dois tipos básicos de métodos de ensino da leitura e escrita (sintéticos e analíticos), em várias tematizações e concretizações das décadas seguintes, passou-se a utilizar: métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético ou vice-versa), considerados mais rápidos e eficientes.
A disputa entre os defensores dos métodos sintéticos e os defensores dos métodos analíticos não cessaram; mas o tom de combate e defesa acirrada que se viu nos momentos anteriores foi-se diluindo gradativamente, à medida que se acentuava a tendência de relativização da importância do método e, mais restritamente, a preferência, nesse âmbito, pelo método global, defendido mais enfaticamente em outros estados brasileiros.
Também a partir dessa época, aproximadamente, as cartilhas passaram a se basear predominantemente em métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético e vice-versa) e começaram a se produzir os manuais do professor acompanhando as cartilhas, assim como se disseminou a idéia e a prática do "período preparatório”.
Vai-se, assim, constituindo um ecletismo processual e conceitual em alfabetização, de acordo com o qual a alfabetização (aprendizado da leitura e escrita) envolve obrigatoriamente uma questão de “medida”, e o método de ensino se subordina ao nível de maturidade das crianças em classes homogêneas.
 A escrita continuou sendo entendida como uma questão de habilidade caligráfica e ortográfica, que devia ser ensinada simultaneamente à habilidade de leitura; o aprendizado de ambas demandava um período preparatório, que consistia em exercícios de discriminação e coordenação viso-motor e auditivo-motora, posição de corpo e membros, dentre outros.
Nesse terceiro momento, que se estende até aproximadamente o final da década de 1970, funda-se uma outra nova tradição no ensino da leitura e da escrita: a alfabetização sob medida, de que resulta o como ensinar subordinado à maturidade da criança a quem se ensina; as questões de ordem didática, portanto, encontram-se subordinadas às de ordem psicológica.
A partir do início da década de 1980, essa tradição passou a ser sistematicamente questionada, em decorrência de novas urgências políticas e sociais que se fizeram acompanhar de propostas de mudança na educação, a fim de se enfrentar,  particularmente, o fracasso da escola na alfabetização de crianças. 
Na busca de soluções para esse problema, introduziu-se no Brasil o pensamento construtivista sobre alfabetização, resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas pela pesquisadora argentina Emilia Ferreiro. Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança (sujeito), o construtivismo se apresenta não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, o abandono das teorias e práticas tradicionais de alfabetização e questionando a necessidade das cartilhas.
A partir de então, verifica-se, por parte de autoridades educacionais e de pesquisadores acadêmicos, um esforço de convencimento dos alfabetizadores, mediante divulgação massiva de artigos, teses acadêmicas, livros e vídeos, cartilhas, sugestões metodológicas, relatos de experiências bem sucedidas e ações de formação continuada, visando garantir a institucionalização, para a rede pública de ensino, de certa apropriação do construtivismo.
Inicia-se, assim, uma disputa entre os partidários do construtivismo e os defensores — quase nunca “confessos”, mas atuantes especialmente no nível das concretizações — dos tradicionais métodos (sobretudo o misto ou eclético), das tradicionais cartilhas e do tradicional diagnóstico do nível de maturidade com fins de classificação dos alfabetizandos, engendrando-se um novo tipo de ecletismo processual e conceitual em alfabetização.
Quanto aos métodos e cartilhas de alfabetização, os questionamentos de que foram alvo parecem ter sido satisfatoriamente assimilados, resultando na produção de cartilhas “construtivistas” ou “sócio-construtivistas” ou “construtivistas interacionistas”; na convivência destas com cartilhas tradicionais e, mais recentemente, com os livros de alfabetização, nas indicações oficiais e nas estantes dos professores, muitos dos quais alegam tê-las apenas para consulta quando da preparação de suas aulas; e no ensino e aprendizagem do modelo de leitura e escrita veiculado pelas cartilhas, mesmo quando os  professores dizem seguir uma “linha construtivista” ou “interacionista” e seus alunos não utilizarem diretamente esse instrumento em sala de aula.
De qualquer modo, nesse momento, tornam-se hegemônicos o discurso institucional sobre o construtivismo e as propostas de concretização decorrentes de certas apropriações da teoria construtivista. E tem-se, hoje, a institucionalização, em nível nacional, do construtivismo em alfabetização, verificável, por exemplo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), dentre tantas outras iniciativas recentes.
Nesse quarto momento — ainda em curso —, funda-se uma outra nova tradição: a desmetodização da alfabetização, decorrente da ênfase em quem aprende e o como aprende a língua escrita, tendo-se gerado, no nível de muitas das apropriações, certo silênciamento a respeito das questões de ordem didática e, no limite, tendo-se criado certo ilusório consenso de que a aprendizagem independe do ensino.
É importante ressaltar, no entanto, que, também na década de 1980, observa-se a emergência do pensamento interacionista em alfabetização, que vai gradativamente ganhando destaque e gerando uma espécie de disputa entre seus defensores do interacionismo e os do construtivismo. Essa “nova” disputa, por sua vez, foi-se diluindo, à medida que certos aspectos de certa apropriação do interacionismo foram sendo conciliados com certa apropriação do construtivismo; essa conciliação, pelo que podemos observar até o momento, foi subsumida no discurso institucional sobre alfabetização.
E, dentre a multiplicidade de problemas que enfrentamos hoje a respeito do ensino inicial da leitura e escrita, as dificuldades decorrentes, em especial, da ausência de uma “didática construtivista” vêm abrindo espaço para a tentativa, por parte de alguns pesquisadores, de apresentar "novas" propostas de alfabetização baseadas em antigos métodos, como os de marcha sintética.

Considerações finais

Nos dias atuais a discussão sobre métodos de alfabetização se faz presente, seja quando se propõe a desmetodização desse processo, seja quando se discutem cartilhas, seja quando se utilizam, mesmo que silenciosamente, determinados métodos considerados tradicionais. Como se viu, porém, não se trata de uma discussão nova, nem tampouco se trata de pensar que, isoladamente, um método possa resolver os problemas da alfabetização. Mas por se tratar de processo escolarizado, sistemático e intencional, a alfabetização não pode prescindir de método (nem de conteúdos e objetivos, dentre outros aspectos necessários ao desenvolvimento de atividades de ensino escolar).
Em outras palavras, a questão dos métodos é tão importante (mas não a única, nem a mais importante) quanto às muitas outras envolvidas nesse processo multifacetado, que vem apresentando como seu maior desafio a busca de soluções para as dificuldades de nossas crianças em aprender a ler e escrever e de nossos professores em ensiná-las. E qualquer discussão sobre métodos de alfabetização que se queira rigorosa e responsável, portanto, não pode desconsiderar o fato de que um método de ensino é apenas um dos aspectos de uma teoria educacional relacionada com uma teoria do conhecimento e com um projeto político e sociais. 
Se quisermos mudar ou manter nossa situação presente e projetar outro futuro, em vista do que foi aqui apresentado não podemos desconsiderar a complexidade do problema nem o passado desse ensino, ingenuamente supondo que, em relação a esse passado, possamos, ou efetuar total ruptura, ou, de maneira saudosista, buscar seu total resgate, como se não tivesse havido nenhum avanço científico, de fato, nesse campo de conhecimento.
          É preciso conhecer aquilo que constitui e já constituiu os modos de pensar, sentir, querer e agir de gerações de professores alfabetizadores, especialmente para compreendermos o que desse passado insiste em permanecer.    
            Pois é justamente nas permanências, especialmente as silenciadas ou silenciosas, mas operantes, e nos retornos ruidosos e salvacionistas, mas simplistas e apenas travestidos de novo, que se encontram as maiores resistências. E são também de seu conhecimento que se podem engendrar as reais possibilidades de encaminhamento das mudanças necessárias, em defesa do direito de nossas crianças ingressarem no mundo novo da cultura letrada, o qual, embora há mais de um século prometido, vem sendo veladamente proibido a muitas delas, que não conseguem aprender a ler e a escrever.
Em defesa, desse direito de, por meio da conquista da leitura e escrita e, sobretudo de seu sentido, não serem submetidas ao dever, apenas, de aprender quando muito, codificar e decodificar signos lingüísticos, na ilusão de um dia, quem sabe? Poderem finalmente ler e escrever, se permanecerem na escola e se alguém lhes ensinar, de fato; em defesa de seu direito de, por meio da conquista do sentido da leitura e escrita, serem resgatadas do abandono da escuridão e da solidão e não capitularem frente à proibição de ingressarem no novo mundo prometido.

Bibliografia

Azevedo, Cleomar. AS emoções no processo de alfabetização e a atuação docente. ED. Vetor 2004. SP

Barbosa, Jose Juvêncio. Alfabetização e leitura. Ed cortez 1994. SP.

Capra, Fritjfo. AS conexões ocultas:  SP Cutrix 2002

Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a pratica educativa. Ed Paz e terra. SP 1996

Holanda, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. Ed. Companhia das letras

Meszaros, Istevan. Educação para além do capital. Ed Boitempo. SP 2005

Mortatti, Maria Rosário. Historia dos métodos de alfabetização no Brasil. Seminário "Alfabetização e letramento em debate", promovido pelo Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria de Educação Básica do
Ministério da Educação, realizado em Brasília, em 27/04/2006.

Pato, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar.  SP Ed Queiroz.

PCNs. Parâmetros curriculares nacionais. Secretaria da educação fundamental Brasília 1998

Saviani, Dermeval. Escola e democracia. SP. ED. Cortez. 1985














segunda-feira, 4 de abril de 2011

RESENHA: MARX, O ESTADO E OS CLÁSSICOS.

O texto: Marx, o estado e os clássicos, é parte do livro O filosofo e a política, de Norberto Bobbio publicado pela editora contraponto.
O objetivo do autor, especificamente em relação ao texto analisado, é comparar a teoria política de Marx com algumas obras de autores considerados clássicos.
Segundo Bobbio, apesar de não ter elaborado uma teoria acabada sobre as formas de governo, Marx deve ser categorizado como um “clássico”, pois possui três importantes qualidades: pode ser considerado um intérprete da época em que viveu e não se pode prescindir de sua obra pra conhecer o “espírito do tempo”; é sempre atual, sendo necessário que cada geração o releia e o reinterprete e por fim; elaborou categorias gerais de compreensão históricas indispensáveis a interpretação de muitas realidades.
Bobbio esclarece que a teoria marxista do Estado é aquela que se pode inferir de alguns escritos de Marx. E analisa esta concepção de Estado marxista tomando como critérios as distinções que se costuma fazer no âmbito da história das doutrinas políticas.
A primeira distinção contrapõe as teorias idealistas e teorias realistas. As idealistas que sofrem influência de Aristóteles propõem um modelo de Estado derivado da combinação ou síntese das formas históricas. Já as realistas, que tem como principal expoente Maquiavel, considera o Estado e as esferas das relações políticas como relações de domínio. Bobbio categoriza a teoria marxista como realista, pois apesar de ainda existir em Marx um momento utópico, este não se encontra vinculado a um Estado ótimo, mas na extinção do Estado.
A segunda distinção se estabelece no âmbito das doutrinas realistas. De um lado as racionalistas, com influência de Hobbes, ocupam-se fundamentalmente da questão da justificação racional do estado, ou seja, do fundamento do estado: “Por que existe o Estado?” e colocam em evidência a oposição entre o estado de natureza anti-social e o Estado civil. E do outro lado, as historicistas representadas principalmente por Aristóteles se concentram na problemática da origem histórica do Estado e se perguntam: “Como o Estado nasceu?” e por sua vez evidenciam a continuidade entre formas primitivas de sociedades humanas como família, tribo ou clã. Segundo o autor é nesta última doutrina que deve ser adequada a teoria do Estado de Marx.
Outra distinção, realizada pelo autor, diz respeito às concepções positivas e concepções negativas de Estado. A concepção positiva concebe o Estado como reino da razão, ou ainda, como um ente da razão, onde somente dentro deste, o homem é capaz de desenvolver plenamente a própria natureza de ser racional, como também só através do Estado é possível transcender a expectativa de viver ou sobreviver. Marx compõe o quadro dos autores que possuem uma concepção negativa do Estado, que defendem a idéia que o Estado é um reino da força e não da razão, um reino do interesse de uma parte e não do bem comum. Assim, segundo essa concepção, o Estado não é a saída do estado de natureza, mas sim a sua continuação sob outra forma. Segundo Bobbio, Para Marx, a saída do estado de natureza só é possível com o fim do Estado.
O autor ressalta, entretanto, que as concepções negativas do Estado devem ser diferenciadas entre tradicional e marxista. Apesar de tratar-se da mesma interpretação da função do Estado (reino da força), esta é vista a partir de pontos de vista opostos. Enquanto que para a concepção tradicional, de influência religiosa, o Estado é por necessidade um aparelho coercitivo porque deve refrear a maldade dos súditos; para a concepção marxista, o Estado é por necessidade um aparelho coercitivo porque só através da força a classe dominante pode conservar e perpetuar o seu próprio domínio.
Após definir a teoria de Estado marxista como teoria negativa, Bobbio revela que em sua teoria, Marx não deu ênfase a questão da forma de governo, o que segundo hipótese do autor, se deva ao fato de que para Marx o fundamental é a relação de domínio, e qualquer que fosse a forma institucional, que faz parte da superestrutura, não mudaria significativamente a realidade desta relação de domínio, que tem raízes na base real da sociedade, ou seja, na infra-estrutura, na forma de produção historicamente determinada.
Assim, segundo Bobbio, para Marx o imprescindível não é a discussão de como se governa (Monarquia, Aristocracia ou Democracia), mas de quem governa (a burguesia ou o proletariado). Segundo ele, do ponto de vista das reais relações de domínio e não das relações aparentes (institucionais), todos os Estados são “ditaduras”, resta saber se são “ditaduras do proletariado” ou se são “ditaduras da burguesia” que são as mais comuns.
Entretanto, Bobbio adverte para a especificidade do termo “ditadura”. Segundo ele, Marx utiliza tal termo relacionando-o a uma classe e não usando no sentido técnico que se refere a um Estado de exceção. Isto é, a utilidade que Marx faz do termo não é para indicar formas específicas de governo, mas sim para representar com particular força polêmica o “domínio” de uma classe sobre as outras.

Resenha apresentado como exigência parcial de avaliação da disciplina de sociologia do curso de graduação em direito, pela UNIFIEO. 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

RESENHA: AS CONEXÕES OCULTAS.

Identificação da obra

As conexões ocultas: Ciência para uma vida sustentável.
De Capra; Fritjof.  Tradução Marcelo Brandão Cipolla.
Editora Cultrix. SP 2002.  296 páginas.

Título original: The hidden connections.

1. Ciência – filosofia, 2. Ecologia, 3.Tecnologia, 4.Globalização, 5. Política – economia.   

O autor

Fritjof Capra concluiu em 1966 seu doutorado em física teórica pela universidade de Viena na Áustria. Físico e teórico dos sistemas ele é um dos fundadores e diretor do centro de eco-alfabetização de Berkeley, Califórnia, além de escrever extensamente sobre as aplicações filosóficas da nova ciência.

Outras obras.

O Tao da física.  1975.
O ponto de mutação 1982.
Sabedoria incomum 1988.
Pertencendo ao universo 1992.
A teia da vida: Uma nova concepção Cientifica dos sistemas vivos 1996.
As conexões ocultas: Ciência para uma vida sustentável 2002.
Alfabetização ecológica: A educação das crianças para um mundo sustentável 2006.

As conexões ocultas: Ciência para uma vida sustentável

As formulações de Fritjof Capra em relação à nova compreensão da vida estão ligadas de forma congênita a tradição intelectual e filosófica da teoria dos sistemas. Tradição filosófica que defende a idéia de que a ecologia profunda não separa os seres humanos da natureza e reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos.
A investigação de Capra nesse livro esta focada principalmente nos processos e padrões de organização dos sistemas vivos, ou como ele mesmo diz “...nas conexões ocultas entre os fenômenos...”.    
Aplicando uma abordagem sistêmica ao domínio social, o tema central que Capra desenvolve em conexões ocultas é a mudança de paradigmas, ou melhor, a mudança fundamental de visão de mundo que esta ocorrendo nas ciências e na sociedade; e o desenvolvimento de uma nova visão da realidade e as conseqüências sociais dessas transformações culturais. O que segundo ele “...cria uma nova visão da realidade cujo centro é ocupado pela própria vida...”.
Com o objetivo de apresentar uma estrutura teórico-conceitual que integrem as dimensões biológicas, cognitiva e social da vida, Capra oferece uma visão unificada da sociedade e desenvolve uma maneira coerente e sistêmica de encarar algumas questões mais critica da nossa época. Capra defende em seu livro a alfabetização ecológica, de concepção sistêmica e unificada, onde o padrão básico de organização da vida é a rede, e os sistemas vivos devem ser analisados sob quatro perspectivas interligadas: a forma, a matéria, o processo e o significado.
Na primeira parte do livro Capra levanta a seguinte questão: “...Em que medida uma organização humana pode ser considerada um sistema vivo?...”. Com o intuito de contribuir conceitualmente à essa questão, Capra apresenta uma estrutura teórica que trata respectivamente da natureza da vida, da natureza da mente e consciência e da natureza da realidade social.
A primeira definição conceitual é em relação às características que definem um sistema vivo. Citando vários outros cientistas e teóricos, Capra conclui que o padrão de organização em redes é comum a todas as formas de vida, ele também identifica a dinâmica auto-geradora como uma das características fundamentais na definição do que é um sistema vivo.
A atividade organizadora dos sistemas vivos é outra característica apontada por Capra. Segundo ele as interações de um organismo vivo com seu ambiente são interações cognitivas, ou seja, a atividade organizadora dos sistemas vivos, em todos os níveis de vida é uma atividade mental o que quer dizer que a vida e a cognição estão inseparavelmente ligadas. Ele ainda aponta que a ocorrência de mudanças estruturais provocadas pelo contato com o ambiente, seguidas de uma adaptação, um aprendizado e um desenvolvimento, é outra característica fundamental de todos os sistemas vivos.
Podemos concluir a partir dessa proposição que além de os sistemas vivos se ligarem estruturalmente ao seu ambiente por meio de interações que desencadeiam mudanças estruturais, outras características que define um sistema vivo é a presença, nesse contexto de mudanças, de uma rede de processos metabólicos e auto-geradores.   
 Sinteticamente, Capra define o padrão de organização de um sistema vivo como sendo a configuração das relações entre os componentes do sistema, a rede; a estrutura do sistema como a incorporação material desse padrão de organização e o processo vital como o processo continuo e metabólico dessa incorporação. Ou melhor: forma: padrão de organização; matéria: estrutura material; processo: metabolismo.
Sobre esse marco conceitual, Capra aplica uma quarta perspectiva: os fenômenos sociais que não ocorre na maioria do mundo extra humano, mas caracteriza a natureza da realidade social. Ele justifica: “...a compreensão sistêmica da vida pode ser aplicada ao domínio social se acrescentarmos a perspectiva do significado aos outros três pontos de vista sobre a vida...”.
A diferenciação básica segundo Capra, é que nos sistemas biológicos os processos metabólicos são redes de reações físico-químicas enquanto que os processos que sustentam as redes sociais são processos de comunicação que geram um corpo comum de significados, conhecimentos e regras de comportamento.
Enfim, as organizações humanas são sistemas vivos na medida em que estão organizadas em redes, se auto-reproduzem e respondem as perturbações externas com mudanças estruturais.
Na segunda parte Capra se debruça sobre os desafios do século XXI, e debate a necessidade premente das organizações humanas de passarem por uma mudança fundamental, tanto para adaptar-se ao novo ambiente quanto para tornar-se sustentável do ponto de vista ecológico. Com o intuito desenvolver uma compreensão unificada dos desafios citados, Capra aplica em sua analise os conceitos que foram desenvolvidos na primeira parte do livro.
Segundo ele, a cultura nasce de uma rede de comunicação entre os indivíduos e a cultura que criamos e sustentamos com nossas redes globais de comunicação determinam valores, crenças e regras de conduta.
Nas últimas décadas do século XX cresceu a percepção de que um novo mundo estava surgindo, moldado pelas novas tecnologias, pelas novas estruturas sociais, por uma nova rede de comunicação e por uma nova economia global com efeitos desastrosos. Por outro lado surgiu, também, uma consciência de que a maioria dos nossos problemas ambientais e sociais tem suas raízes profundas em nosso sistema econômico, com sua visão que ignora os padrões e interconexões ecológicas e busca a todo custo submeter à natureza ao controle humano.
De acordo com analise de Capra podemos concluir que a forma atual do capitalismo global é insustentável do ponto de vista social e ecológico e por isso é politicamente inviável a longo prazo. Segundo ele “... precisamos de uma mudança sistêmica profunda...a maneira concreta de fazer isso é mudar o principio básico da programação do sistema global das redes financeiras e os valores que exaltam o consumo material...”. E esse é sem duvida o maior desafio do nosso tempo.
            Não há duvidas de que atualmente passamos por mais um movimento revolucionário. A consciência da história é principalmente a consciência da mudança ou da necessidade da mudança, o que implica a intenção de mudar, de aperfeiçoar ou de restaurar uma determinada realidade.
O que se evidencia no discurso dos ecologistas e de alguns seguimentos revolucionários atualmente, é essa consciência histórica; o grande desafio do século XXI é o da mudança do sistema de valores que esta por trás da economia global, de modo a torná-lo compatível com as exigências da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica. E como vimos esta consciência histórica está presente no texto de Capra.
Como as normas e regras de convivência são constantes e repetitivas, não apenas no âmbito do tempo de vida de uma única pessoa, mas para todas as gerações que podem se encontrar, o que quer dizer, o contato entre diferentes grupos humanos acarreta a combinação e a síntese de diversos sistemas de valores. Segundo Heller¹ os valores passam por um processo de construção e são portadores de uma objetividade social, mas como não são leis naturais os valores humanos podem mudar. E essa é a esperança de todas as proposições revolucionarias atuais, mudança dos valores que exaltam o consumo material, dos valores que regulam o sistema financeiro global e que desencadeiam uma série de conseqüências negativas.  Na segunda parte do livro Capra corrobora essa idéia e afirma “...o primeiro passo no esforço de construção de novos valores e de uma sociedade sustentável é a alfabetização ecológica, ou seja, a compreensão dos princípios de organização comuns a todos os sistemas vivos que os ecossistemas desenvolvem para sustentar a teia da vida...”.  
           
           
¹ Heller, Agnes. Uma teoria de História. Ed Civilização Brasileira. RJ
                                               
                                                                                                              Pereira, Vagner Roberto.