A escrita foi uma invenção decisiva para a
história da humanidade, desde a pré-história, o homem sente necessidade de
expressar seus pensamentos, bem como buscar uma maneira de registrar seus
conhecimentos de forma duradoura.
Por meio de registros escritos há milhares
de anos, ficamos sabendo como era a vida e a organização social de povos que
viveram muito antes de nós. A invenção não surgiu por acaso, mas como
conseqüência das mudanças profundas nas sociedades durante o período do
surgimento das primeiras cidades.
Pelo menos quatro sistemas de escrita
foram inventados de forma independente em épocas diferentes, por quatro povos
distintos, na Mesopotâmia, Egito, China e América Central. E é sobre isso
que trata o primeiro capitulo desse trabalho, um levantamento Histórico sobre o
surgimento da escrita.
Tratando da modernidade Brasileira, e da
implantação, em nosso país, do modelo republicano de escola, passamos a
observar que, desde essa época, o que hoje denominamos “fracasso escolar na
alfabetização” se vem impondo como problema estratégico a demandar soluções
urgentes, o que vem mobilizando administradores públicos, legisladores do
ensino, intelectuais de diferentes áreas de conhecimento, educadores e
professores.
Com o objetivo de fazer um levantamento
Histórico da idéia de alfabetização universal no Brasil e a fim de compreender
esse processo de alfabetização e buscar respostas à questão do fracasso dos
métodos de ensino inicial da leitura e escrita, estabeleço como ponto de
partida para essa analise a seguinte questão: porque no Brasil os métodos de
alfabetização não demonstram a eficácia desejada? Assim faço uma analise geral
do surgimento da escrita e da idéia de alfabetização universal e sua
implantação em nosso país, dividida assim, em quatro momentos a historia da
alfabetização no Brasil.
O surgimento da escrita.
Os mais antigos testemunhos
escritos encontrados são provenientes da região da Mesopotâmia (atual Iraque),
feitos 3.300 anos antes de Cristo. Os sumérios, que habitavam a Mesopotâmia, -
povos que viveram antes dos assírios e babilônios na mesma região-,
desenvolveram a escrita cuneiforme. O termo vem de cunha, que era uma
pequena ferramenta de entalhe que gravava símbolos em plaquinhas de
cerâmica, com ela, não era preciso ser um grande desenhista para compor
todos os caracteres.
Não muito longe dali, e pouco depois, os
egípcios criaram os hieróglifos, nos seus primeiros tempos, a escrita no
Egito era reservada a uma classe de especialistas, os escribas. Eles
ocupavam uma posição de destaque, passavam por um processo de formação e era o
elo entre o faraó, outros funcionários do governo, os sacerdotes e o povo. Até
a Idade Média, quando foi criada a imprensa, em 1450, as pessoas comuns ainda
não aprendiam a ler e escrever.
A ideia de que todas as crianças devem
aprender a ler e escrever só foi difundida no século XIX. Por muito tempo,
a escrita antiga permaneceu misteriosa. Os hieróglifos só foram
decifrados no século XIX, pelo estudioso francês Jean-François Champollion, a
partir de uma pedra que continha inscrições em hieróglifos e sua tradução
para grego.
Na América Central, povos como
os maias e os astecas tinham seus próprios sistemas de escrita quando os
europeus conquistaram a região, e grande parte dos seus documentos escritos
foram destruídos. Sabe-se que a escrita nahuatl, por exemplo, surgiu por volta
do século XIII, mas ela ainda não foi totalmente decifrada pelos estudiosos.
A China também foi berço de um sistema
original, criado há mais de 3 mil anos. Eles foram os responsáveis pela
invenção do papel. Antes disso, muitos outros suportes foram usados para a
escrita. Os livros já foram feitos de placas de barro, madeira, metal, osso e
até bambu. Escrituras em tecidos, couro, cascas de árvore e em papiro, uma
espécie de papel mais fibroso, eram enroladas ou dobradas. O pergaminho era
obtido a partir do couro curtido, formando rolos e podia ser lavado ou lixado
para apagar uma mensagem e escrever outra por cima.
Ha diferentes tipos de escrita,
porque suas origens são diferentes. A escrita evoluiu a partir do desenho
é o que chamamos pictografia. O significado deriva diretamente da figura que o
representa, por isso dizemos que é um sistema figurativo. A partir da escrita
pictográfica, os traços foram sendo simplificados e o desenho já não parecia
mais com o objeto que representava. Quando temos um sistema de escrita que
possui um símbolo para cada coisa, como os chineses fazem até hoje, chamamos de
sistema ideográfico.
O sistema ideográfico parece complexo para
nós porque é necessário conhecer um número grande de símbolos para conseguir
ler um texto de jornal, por exemplo. Com o alfabeto é diferente, conseguimos
ler qualquer palavra desde que conheçamos umas duas ou três dezenas de
símbolos. Isso porque o alfabeto é uma invenção que parte de uma outra ideia:
representar não a coisa em si, mas o som. O alfabeto é uma tentativa de
desenhar o som da língua. Ele é resultado da decomposição do som das palavras
em sílabas ou em fonemas - o som das letras. Cada letra representa um fonema ou
mais de um (o C, por exemplo, pode ter som de k – como em casa - ou de s como na palavra cidade, por exemplo).
O nosso alfabeto é o latino e
descende do grego. O grego, por sua vez, foi derivado do fenício, que trouxe
uma grande inovação. Com apenas 22 letras, o alfabeto fenício era muito mais
simples do que a escrita cuneiforme e a hieroglífica. O alfabeto fenício era
consonantal, pois só registrava as consoantes, e não as vogais, que só
seriam inventadas mais tarde pelos gregos. Os fenícios habitavam uma parte do
que hoje é a Síria e o litoral do Líbano, e o alfabeto que eles desenvolveram
surgiu da necessidade de controlar e facilitar o comércio.
O alfabeto hebraico e o árabe até hoje não
usam vogais, por isso são chamados consonantais. O alfabeto latino é fonético e
vocálico, enquanto que o brahmi, sistema indiano que deu origem a muitos
outros na Ásia, é silábico.
A escrita nos faz reviver as diferentes
civilizações, informando-nos sobre o cotidiano, história, ciência, literatura,
religião. Enfim, ela nos deixa o legado de um patrimônio cultural das
civilizações já desaparecidas. E por elas, compreendemos como a escrita
atual foi desenvolvida.
Na verdade, a escrita, assim como as
línguas, está em permanente processo de evolução. Ela reflete e acompanha a
maneira como as sociedades vivem seus hábitos, tecnologia e peculiaridades.
Segundo as palavras de Capra, Fritjof “...na qualidade de seres humanos nós
existimos dentro da linguagem e tecemos continuamente a teia lingüística que
estamos inseridos. Nos coordenamos nosso comportamento pela linguagem e criamos
ou produzimos nosso mundo...”.
Exemplo Evidente da evolução da forma de
escrever é que hoje, a maioria dos alunos já não dão tanta importância a ter
uma letra bonita no caderno, porque o acesso a computadores torna mais fácil a
produção da escrita em letra de forma, digitada. E vemos, nos e-mails e nas
trocas de mensagens escritas simultâneas pela Internet – nos chats –, uma variação da linguagem,
produzida pela pressa em digitar. Por exemplo, quando escrevemos vc e tb,
no lugar das palavras você e também.
O uso de símbolos gráficos – os emoticons, como ; >) (um
rostinho sorrindo e piscando um olho) – tenta imitar as expressões
faciais que acompanham a linguagem oral. Tudo isso mostra como a escrita é um
processo vivo e ativo, inventado e reinventado pela humanidade todos os dias.
A era das letras fundidas
Os livros mais antigos eram
impressos em pergaminho, mas foi o papel que deu impulso à tipografia. O papel
como substituto do pergaminho começou a ser usado na Europa cerca de três
séculos antes de se fundirem os primeiros tipos de metal. Os chineses guardaram
em segredo o processo de fabricação do papel, só revelando-o forçadamente aos
conquistadores mongóis no século VIII. Esses conquistadores transmitiram o
conhecimento aos persas, que, por sua vez, o repassaram aos árabes e, esses,
aos espanhóis.
Ao ser introduzido na Europa
por volta do séc. XII encontrou diversos obstáculos: a demanda era baixa, pois
o pergaminho produzido era satisfatório; a educação estava atrasada, poucos
sabiam ler e devido a sua origem muçulmana, não teve a simpatia da Igreja. Somente
com o aparecimento da imprensa no séc. XV começou a ser utilizado em larga escala.
Embora no oriente se tivesse
feito muita coisa no campo da impressão tabulária e da impressão com caracteres
móveis, as invenções chinesas não tiveram qualquer influência na criação de
tipos móveis na Europa, onde a descoberta da imprensa tipográfica abriu
uma nova era na história intelectual da humanidade. A verdadeira essência da
invenção européia na tipografia surgiu em meados do séc. XV época de transição
e confusão. O método europeu de impressão consistiu em utilizar tipos móveis de
metais, fundidos em matrizes, em quantidades desejadas e por um preço razoável.
O mérito da descoberta da
tipografia é atribuído a Johann Gutenberg por volta do ano de 1450, mas é
provável que ele já a tivesse descoberto antes do ano de 1448.
A partir da revolução
tecnológica operada por Gutenberg, a escrita passou a ficar duradouramente
fixada em letras de chumbo; as formas das letras já não evoluíram
exclusivamente pela invenção, destreza e fluidez da mão do calígrafo, já não
sofriam as mutações próprias do gesto humano de escrever. A materialização das
letras em metal limitou drasticamente os caprichos da estética da letra
manuscrita, mas também anulou as variações (e os erros) dos copistas.
Em vez de manu-scritos e de cali-grafia,
passamos a ter uma tipo-grafia. A partir deste ponto, serão os
mestres tipógrafos que orientam a evolução das letras. Com o advento da
fundição de tipos, passamos a falar de letras
fundidas, de founts,
de fontes.
A rápida reprodução de
textos com tipos móveis levados ao prelo foi um acelerador decisivo para a
difusão das ideias do Humanismo, da Renascença – e também, depois de 1500 – do
Protestantismo, ajudando a levar a termo o sombrio período da Idade Média e o
monopólio cultural da Igreja Católica. A
introdução da tipografia no Brasil foi tardia, devido ao temor das autoridades
portuguesas sobre os efeitos políticos de tal inovação técnica. Somente com a
chegada da família real é que a tipografia se radicou de vez no Brasil, com a
Impressão Régia na cidade do Rio de Janeiro, conforme dispõe o diploma de 13 de maio de 1808,
assinado pelo príncipe regente.
Ensino universal: uma
concepção social de alfabetização
Com
a revolução Francesa, a proposta de ensino universal e gratuito torna-se uma
realidade na Europa e a escola sob o controle do estado e do poder publico
visava massificar e uniformizar o ensino. A indústria nascente, o sufrágio universal, a
urbanização crescente, a necessidade de adoção de novos valores propagados pela
classe dominante vieram demonstrar a urgência de garantir a ordem e a estabilidade
social através de uma instituição que ao mesmo tempo, veiculasse os valores
dominantes e dotasse o cidadão dos rudimentos da leitura e escrita adequada à
situação emergente.
Paralelamente, a educação
passa a ser vista pelos pais como a esperança de ascensão social, poupando os
filhos de um futuro de trabalho considerado rude e mal remunerado. Destarte
cresce a demanda pela educação. Isso, porque antes a alfabetização era vista
como um imperativo de fé, ou seja, garantia de acesso à santa doutrina, com os
novos tempos, a revolução, a republica e a exigência de modernização social
passa a existir uma concepção social da alfabetização.
Barbosa cita em
alfabetização e leitura em seu capitulo de abertura que “...a generalização da
alfabetização abre uma nova era na História da humanidade. As
sociedades ocidentais iniciam um período caracterizado pela revolução
permanente que ressoa no plano político, econômico, social e cultural. Numa época marcada pela emergência das
nações democráticas, pelo avanço da industrialização, pelo crescimento das
cidades e erupção do individualismo e pela supremacia da cultura visual. Que
esta a origem da concepção de
alfabetização que herdamos...
Quando analisamos
historicamente esse processo cultural da nossa sociedade, percebemos que existe
uma convicção generalizada de que as metodologias tradicionais alfabetizam.
Essa convicção parece estar correta quando examinamos dados estatísticos da
evolução da população alfabetizada no mundo. A parcela de nações que
obteve êxito na generalização da alfabetização coincide com o grupo dos países
desenvolvidos. Para esse países segundo as palavras de Barbosa “...a
democratização escolar derivou o desaparecimento quase total do analfabetismo,
isso em função de sua tradição escolar, porem não configurou o aparecimento do
leitor...”
No que se refere aos países
de escrita alfabética, certamente
foram utilizadas as chamadas metodologias tradicionais de alfabetização
confirmando então a convicção de que as metodologias tradicionais alfabetizam.
Barbosa, J.J questiona essa
eficácia dos métodos de Alfabetização nos países em vias de desenvolvimento ou
de economia periférica, segundo ele “...o analfabetismo vem sempre acompanhado
do subdesenvolvimento e, portanto, da pobreza, da doença, da fome e da
marginalização social... Nestes casos a escola parece exercer uma seleção
cruel, pois além da seletividade externa é impiedosa na seleção interna... O
que de fato caracteriza dois problemas referentes à marginalização e o fracasso
escolar, primeiro porque a escola não consegue atender ao universo da população
e segundo, porque ainda produz índices elevados de repetência e evasão escolar,
ou seja, a metodologia tradicional utilizada por essa escola que produz o
fracasso escolar demonstra a ineficácia de tais métodos em tais países...”
Tradições relativas ao ensino inicial da
leitura e escrita no Brasil.
A constituição dos chamados
sistemas nacionais de ensino datam do inicio século XIX no Brasil. Sua
organização inspirou-se no principio de que a alfabetização é direito de todos
e dever do estado. O direito de todos à educação e a alfabetização decorria do
tipo de sociedade moldada pela classe que se consolidara no poder: a
burguesia. Tratava-se de construir uma sociedade democrática, de consolidar a
democracia burguesia.
Para superar a situação de
opressão, própria do “antigo regime”, e ascender a um tipo de sociedade fundada
no contrato social celebrado livremente entre os indivíduos, era necessário
vencer a barreira da ignorância. Só assim seria possível transformar súditos em
cidadãos, isto é, em indivíduos livres porque esclarecidos.
Em nosso país, a partir do
final do século XIX, especialmente com a proclamação da República, a educação
ganhou destaque como uma das utopias da modernidade. A escola, por sua vez,
consolidou-se como lugar necessariamente institucionalizado para o preparo das
novas gerações, com vistas a atender aos ideais do estado republicano, pautado
pela necessidade de instauração de uma nova ordem política e social; a
universalização da escola assumiu importante papel como instrumento de modernização
e progresso do Estado - Nação, como principal propulsora do “esclarecimento das
massas iletradas”.
No âmbito desses ideais
republicanos, saber ler e escrever tornou-se instrumento privilegiado de
aquisição de saber e imperativo da modernização e desenvolvimento social. A
leitura e a escrita — que até então eram práticas culturais, cuja aprendizagem
se encontrava restrita a poucos e ocorria por meio de transmissão sistemática
de seus rudimentos no âmbito privado do lar, ou de maneira menos informal, mas
ainda precária, nas poucas “escolas” do Império (“aulas régias”) — tornaram-se
fundamentos da escola obrigatória, laica e gratuita, a alfabetização
sistemática passa a ser objeto de ensino e aprendizagem escolarizados.
Caracterizando-se como
tecnicamente ensináveis, as práticas de leitura e escrita passaram, assim, a
ser submetidas a ensino organizado, sistemático e intencional, demandando, para
isso, a preparação de profissionais especializados.
Desse ponto de vista, os
processos de ensinar e de aprender a leitura e a escrita na fase inicial de
escolarização de crianças se apresentam como um momento de passagem para um
mundo novo — para o Estado e para o cidadão —: o mundo público da cultura
letrada, que instaura novas formas de relação dos sujeitos entre si, com a
natureza, com a história e com o próprio Estado; um mundo novo que instaura,
enfim, novos modos e conteúdos de pensar, sentir, querer e agir.
No entanto, especialmente
desde as últimas duas décadas, as evidências que sustentam originariamente essa
associação entre escola e alfabetização vêm sendo questionadas, em decorrência
das dificuldades de se concretizarem as promessas e os efeitos pretendidos com
a ação da escola sobre o cidadão. Explicada como problema decorrente, ora do
método de ensino, ora do aluno, ora do professor, ora do sistema escolar, ora
das condições sociais, ora de políticas públicas. A recorrência dessas
dificuldades de a escola dar conta de sua tarefa histórica fundamental não é,
porém, exclusiva de nossa época.
Holanda, B. S em raízes do
Brasil, refletindo sobre os primeiros passos do estado Brasileiro independente
refere-se à alfabetização como uma miragem. Isso porque o modelo de sociedade
brasileira se caracterizava por ser essencialmente agrário exportador com
população predominantemente rural não só isso, mas, nas palavras do próprio
Sergio a simples alfabetização em massa não constituía um beneficio sem par,
desacompanhada de outros elementos
fundamentais da educação que a completam não teria um efeito satisfatório.
Cabe acrescentar, que no
momento da implantação dos primeiros métodos de alfabetização no Brasil era
grande o prestigio de determinadas teorias que traziam o endosso de citações e
nomes estrangeiros. Sobre essa questão Holanda, S. B. se manifesta com as seguintes
palavras: “... não têm conta entre nós os pedagogos da prosperidade que
apegando-se a certas soluções onde, na melhor das hipóteses, se abrigam
verdades parciais, transformam-nas em requisito obrigatório e único de todo
progresso. É bem característico, para citar um exemplo, o que ocorre com a
miragem da alfabetização do povo. Quantas inúteis retóricas se tem desperdiçado
para provar que todos os males ficariam resolvidos de um momento para o outro
se tivéssemos amplamente difundido as escolas primarias e o conhecimento do
ABC...”
Decorridos mais de cem anos
desde a implantação, em nosso país, do modelo republicano de escola, podemos
observar que, desde essa época, o que hoje denominamos “fracasso escolar na
alfabetização” se vem impondo como problema estratégico como demandar soluções
urgentes e vem mobilizando administradores públicos, legisladores do ensino,
intelectuais de diferentes áreas de conhecimento, educadores e
professores.
Desde essa época,
observam-se repetidos esforços de mudança, a partir da necessidade de superação
daquilo que, em cada momento histórico, considerava-se tradicional nesse ensino
e fator responsável pelo seu fracasso. Por quase um século, esses esforços se
concentraram, sistemática e oficialmente, na questão dos métodos de ensino da
leitura e escrita, e muitas foram às disputas entre os que se consideravam
portadores de um novo e revolucionário método de alfabetização e aqueles que
continuavam a defender os métodos considerados antigos e tradicionais.
A questão dos métodos de alfabetização
A fim de compreender esse processo e para
a busca de respostas à questão dos métodos de ensino inicial da leitura e
escrita, desde as décadas finais do século XIX, e com base na analise feita por
Mortatti, Maria.R.L essa analise dividi o período em quatro momentos
cruciais, caracterizado pela disputa em torno de certas tematizações,
normatizações e concretizações relacionadas com o ensino da leitura e escrita e
consideradas novas e melhores, em relação ao que, em cada momento, era
considerado antigo e tradicional nesse ensino.
Em decorrência dessas disputas, tem-se,
cada um desses momentos, a fundação de uma nova tradição relativa ao ensino
inicial da leitura e escrita no Brasil. Até o final do Império brasileiro, o
ensino carecia de organização, e as poucas escolas existentes eram, na verdade,
salas adaptadas, que abrigavam alunos de todas as “séries” e funcionavam em
prédios pouco apropriados para esse fim; eram as “aulas régias”, já mencionadas.
Em decorrência das precárias condições de funcionamento, nesse tipo de escola o
ensino dependia muito mais do empenho de professor e alunos para subsistir. E o
material de que se dispunha para o ensino da leitura era também precário
embora, na segunda metade do século XIX, houvesse aqui algum material impresso
sob a forma de livros para fins de ensino de leitura, editados ou produzidos na
Europa.
Habitualmente iniciava-se o ensino da
leitura com as chamadas “cartas de ABC". Para o ensino da leitura,
utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha sintética (da "parte"
para o "todo"): da soletração (alfabético), partindo do nome das
letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação
(emissão de sons), partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da
leitura com a apresentação das letras e seus nomes (método da
soletração/alfabético), na seqüência de seus sons (método fônico), e em seguida
o das famílias silábicas (método da silabação), sempre de acordo com certa
ordem crescente de dificuldade.
Posteriormente, reunidas às letras, os
sons, em sílabas, as conhecidas famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras
formadas com essas letras sons e sílabas e, por fim, ensinavam-se frases
isoladas ou agrupadas.
Quanto à escrita, ensinavam-se, à cópia,
os ditados e a formação de frases, enfatizando-se o desenho correto das letras.
As primeiras cartilhas brasileiras, produzidas no final do século XIX,
sobretudo por professores fluminenses e paulistas a partir de sua experiência
didática, baseavam-se nos métodos de marcha sintética (de soletração, fônico e
de silabação) e circularam em várias províncias do país por muitas décadas.
Em 1876, data que segundo Mortatti e o
marco inicial do primeiro momento nessa história, foi publicada em
Portugal a Cartilha Maternal
ou Arte da Leitura, escrita pelo poeta português João de Deus.
A partir do início da década de 1880, o
“método João de Deus” contido nessa cartilha passou a ser divulgado sistemática
e programaticamente principalmente nas províncias de São Paulo e do Espírito
Santo, por Antonio da Silva Jardim, positivista militante e professor de
português da Escola Normal de São Paulo. Diferentemente dos métodos até então
habituais, o “método João de Deus” ou “método da palavração” baseava-se nos
princípios da moderna lingüística da época e consistia em iniciar o ensino da
leitura pela palavra, para depois analisá-la a partir dos valores fonéticos das
letras. Por essas razões, Silva Jardim considerava esse método como fase
científica e definitiva no ensino da leitura e fator de progresso social.
Esse primeiro momento se estende até o
início da década de 1890 e nele tem início uma disputa entre os defensores do
"método João de Deus" e aqueles que continuavam a defender e utilizar
os métodos sintéticos: da soletração, fônico e da silabação. Com essa disputa,
funda-se uma nova tradição: o ensino da leitura envolve necessariamente uma
questão de método, ou seja, enfatiza-se o como
ensinar metodicamente, relacionado com o
que ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma
questão de ordem didática subordinada às questões de ordem lingüística (da
época).
A partir de 1890, implementou-se a reforma
da instrução pública no estado de São Paulo. Pretendendo servir de modelo para
os demais estados, essa reforma se iniciou com a reorganização da Escola Normal
de São Paulo e a criação da Escola-Modelo e em 1896, foi criado o Jardim da
Infância nessa escola. Do ponto de vista didático, a base da reforma estava nos
novos métodos de ensino, em especial no então novo e revolucionário método analítico
para o ensino da leitura, utilizado na Escola-Modelo, onde os normalistas
desenvolviam atividades "práticas" e onde os professores dos grupos
escolares (criados em 1893) da capital e do interior do estado deveriam buscar
seu modelo de ensino.
A partir dessa primeira década
republicana, professores formados por essa escola normal passaram a defender
programaticamente o método analítico para o ensino da leitura e disseminaram-no
para outros estados brasileiros, por meio de “missões de professores” paulistas.
Especialmente mediante a ocupação de cargos na administração da instrução
pública paulista e a produção de instruções normativas, de cartilhas e de
artigos em jornais e em revistas pedagógicas, esses professores contribuíram
para a institucionalização do método analítico, tornando obrigatória sua
utilização nas escolas públicas paulistas.
Embora a maioria dos professores das
escolas primárias reclamasse da lentidão de resultados desse método, a
obrigatoriedade de sua utilização no estado de São Paulo perdurou até se
fazerem sentir os efeitos da “autonomia didática” proposta na "Reforma
Sampaio Dória" (Lei 1750, de 1920).
Diferentemente dos métodos de marcha
sintética até então utilizados, o método analítico, sob forte influência da
pedagogia norte-americana, baseava-se em princípios didáticos derivados de uma
nova concepção — de caráter biopsicofisiológico — da criança, cuja forma de
apreensão do mundo era entendida como sincrética.
A despeito das disputas sobre as
diferentes formas de desenvolvimento do método analítico, o ponto em comum
entre seus defensores consistia na necessidade de se adaptar o ensino da
leitura a essa nova concepção de criança.
De acordo com esse método analítico, o
ensino da leitura deveria ser iniciado pelo “todo”, para depois se proceder à
análise de suas partes constitutivas.
As cartilhas produzidas no âmbito do
segundo momento, especialmente no início do século XX, passaram a se basear
programaticamente no método de marcha analítica (processos da palavração e
sentenciação), buscando se adequar às instruções oficias, no caso paulista.
Iniciou-se, assim, uma acirrada disputa
entre partidários do então novo e revolucionário método analítico para o ensino
da leitura e os que continuavam a defender e utilizar os tradicionais métodos
sintéticos, especialmente o da silabação. Concomitantemente a essa disputa,
teve lugar uma outra relativa aos diferentes modos de aplicação do método
analítico.
Nesse momento, que se estende até
aproximadamente meados dos anos de 1920
a ênfase da
discussão sobre métodos continuou incidindo no ensino inicial da leitura. Já
que o ensino inicial da escrita era entendido como uma questão de caligrafia
(vertical ou horizontal) e de tipo de letra a ser usada (manuscrita ou de
imprensa, maiúscula ou minúscula), o que demandava especialmente treino,
mediante exercícios de cópia e ditado. É também ao longo desse momento, já no
final da década de 1910, que o termo “alfabetização” começa a ser utilizado
para se referir ao ensino inicial da leitura e da escrita.
As disputas ocorridas nesse momento fundam
uma outra nova tradição: o ensino da leitura envolve enfaticamente questões
didáticas, ou seja, o como
ensinar, a partir da definição das habilidades visuais, auditivas e motoras
da criança o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de
ordem didática subordinada às questões de ordem psicológica da criança.
Em decorrência da “autonomia didática”
proposta pela "Reforma Sampaio Dória" e de novas urgências políticas
e sociais, a partir de meados da década de 1920 aumentaram as resistências dos
professores quanto à utilização do método analítico e começaram a se buscar
novas propostas de solução para os problemas do ensino e aprendizagem iniciais
da leitura e da escrita.
Os defensores do método analítico
continuaram a utilizá-lo e a fazer propaganda de sua eficácia. No entanto,
buscando conciliar os dois tipos básicos de métodos de ensino da leitura e
escrita (sintéticos e analíticos), em várias tematizações e concretizações das
décadas seguintes, passou-se a utilizar: métodos mistos ou ecléticos
(analítico-sintético ou vice-versa), considerados mais rápidos e eficientes.
A disputa entre os defensores dos métodos
sintéticos e os defensores dos métodos analíticos não cessaram; mas o tom de
combate e defesa acirrada que se viu nos momentos anteriores foi-se diluindo
gradativamente, à medida que se acentuava a tendência de relativização da
importância do método e, mais restritamente, a preferência, nesse âmbito, pelo
método global, defendido mais enfaticamente em outros estados brasileiros.
Também a partir dessa época,
aproximadamente, as cartilhas passaram a se basear predominantemente em métodos
mistos ou ecléticos (analítico-sintético e vice-versa) e começaram a se
produzir os manuais do professor acompanhando as cartilhas, assim como se disseminou
a idéia e a prática do "período preparatório”.
Vai-se, assim, constituindo um ecletismo
processual e conceitual em alfabetização, de acordo com o qual a alfabetização
(aprendizado da leitura e escrita) envolve obrigatoriamente uma questão de “medida”,
e o método de ensino se subordina ao nível de maturidade das crianças em
classes homogêneas.
A escrita continuou sendo entendida
como uma questão de habilidade caligráfica e ortográfica, que devia ser
ensinada simultaneamente à habilidade de leitura; o aprendizado de ambas
demandava um período preparatório, que consistia em exercícios de discriminação
e coordenação viso-motor e auditivo-motora, posição de corpo e membros, dentre
outros.
Nesse terceiro momento, que se estende até
aproximadamente o final da década de 1970, funda-se uma outra nova tradição no
ensino da leitura e da escrita: a alfabetização sob medida, de que resulta o como ensinar subordinado à maturidade da
criança a quem se ensina;
as questões de ordem didática, portanto, encontram-se subordinadas às de ordem
psicológica.
A partir do início da década de 1980, essa
tradição passou a ser sistematicamente questionada, em decorrência de novas
urgências políticas e sociais que se fizeram acompanhar de propostas de mudança
na educação, a fim de se enfrentar, particularmente, o fracasso da escola
na alfabetização de crianças.
Na busca de soluções para esse problema,
introduziu-se no Brasil o pensamento construtivista sobre alfabetização,
resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas
pela pesquisadora argentina Emilia Ferreiro. Deslocando o eixo das discussões
dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança (sujeito), o
construtivismo se apresenta não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”,
demandando, dentre outros aspectos, o abandono das teorias e práticas
tradicionais de alfabetização e questionando a necessidade das cartilhas.
A partir de então, verifica-se, por parte
de autoridades educacionais e de pesquisadores acadêmicos, um esforço de
convencimento dos alfabetizadores, mediante divulgação massiva de artigos,
teses acadêmicas, livros e vídeos, cartilhas, sugestões metodológicas, relatos
de experiências bem sucedidas e ações de formação continuada, visando garantir
a institucionalização, para a rede pública de ensino, de certa apropriação do
construtivismo.
Inicia-se, assim, uma disputa entre os
partidários do construtivismo e os defensores — quase nunca “confessos”, mas
atuantes especialmente no nível das concretizações — dos tradicionais métodos
(sobretudo o misto ou eclético), das tradicionais cartilhas e do tradicional
diagnóstico do nível de maturidade com fins de classificação dos
alfabetizandos, engendrando-se um novo tipo de ecletismo processual e
conceitual em alfabetização.
Quanto aos métodos e cartilhas de
alfabetização, os questionamentos de que foram alvo parecem ter sido
satisfatoriamente assimilados, resultando na produção de cartilhas
“construtivistas” ou “sócio-construtivistas” ou “construtivistas interacionistas”;
na convivência destas com cartilhas tradicionais e, mais recentemente, com os
livros de alfabetização, nas indicações oficiais e nas estantes dos
professores, muitos dos quais alegam tê-las apenas para consulta quando da
preparação de suas aulas; e no ensino e aprendizagem do modelo de leitura e
escrita veiculado pelas cartilhas, mesmo quando os professores dizem
seguir uma “linha construtivista” ou “interacionista” e seus alunos não
utilizarem diretamente esse instrumento em sala de aula.
De qualquer modo, nesse momento, tornam-se
hegemônicos o discurso institucional sobre o construtivismo e as propostas de
concretização decorrentes de certas apropriações da teoria construtivista. E
tem-se, hoje, a institucionalização, em nível nacional, do construtivismo em
alfabetização, verificável, por exemplo, nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), dentre
tantas outras iniciativas recentes.
Nesse quarto momento — ainda em curso —,
funda-se uma outra nova tradição: a desmetodização da alfabetização, decorrente
da ênfase em quem aprende e o como aprende a língua escrita, tendo-se gerado,
no nível de muitas das apropriações, certo silênciamento a respeito das
questões de ordem didática e, no limite, tendo-se criado certo ilusório
consenso de que a aprendizagem independe do ensino.
É importante ressaltar, no entanto, que,
também na década de 1980, observa-se a emergência do pensamento interacionista
em alfabetização, que vai gradativamente ganhando destaque e gerando uma
espécie de disputa entre seus defensores do interacionismo e os do
construtivismo. Essa “nova” disputa, por sua vez, foi-se diluindo, à medida que
certos aspectos de certa apropriação do interacionismo foram sendo conciliados
com certa apropriação do construtivismo; essa conciliação, pelo que podemos
observar até o momento, foi subsumida no discurso institucional sobre
alfabetização.
E, dentre a multiplicidade de problemas
que enfrentamos hoje a respeito do ensino inicial da leitura e escrita, as
dificuldades decorrentes, em especial, da ausência de uma “didática
construtivista” vêm abrindo espaço para a tentativa, por parte de alguns
pesquisadores, de apresentar "novas" propostas de alfabetização
baseadas em antigos métodos, como os de marcha sintética.
Considerações finais
Nos dias atuais a discussão sobre métodos
de alfabetização se faz presente, seja quando se propõe a desmetodização desse
processo, seja quando se discutem cartilhas, seja quando se utilizam, mesmo que
silenciosamente, determinados métodos considerados tradicionais. Como se viu,
porém, não se trata de uma discussão nova, nem tampouco se trata de pensar que,
isoladamente, um método possa resolver os problemas da alfabetização. Mas por
se tratar de processo escolarizado, sistemático e intencional, a alfabetização
não pode prescindir de método (nem de conteúdos e objetivos, dentre outros
aspectos necessários ao desenvolvimento de atividades de ensino escolar).
Em outras palavras, a questão dos métodos
é tão importante (mas não a única, nem a mais importante) quanto às muitas
outras envolvidas nesse processo multifacetado, que vem apresentando como seu
maior desafio a busca de soluções para as dificuldades de nossas crianças em
aprender a ler e escrever e de nossos professores em ensiná-las. E qualquer
discussão sobre métodos de alfabetização que se queira rigorosa e responsável,
portanto, não pode desconsiderar o fato de que um método de ensino é apenas um
dos aspectos de uma teoria educacional relacionada com uma teoria do
conhecimento e com um projeto político e sociais.
Se quisermos mudar ou manter nossa
situação presente e projetar outro futuro, em vista do que foi aqui apresentado
não podemos desconsiderar a complexidade do problema nem o passado desse
ensino, ingenuamente supondo que, em relação a esse passado, possamos, ou efetuar
total ruptura, ou, de maneira saudosista, buscar seu total resgate, como se não
tivesse havido nenhum avanço científico, de fato, nesse campo de conhecimento.
É preciso conhecer aquilo que constitui e já constituiu os modos de pensar,
sentir, querer e agir de gerações de professores alfabetizadores, especialmente
para compreendermos o que desse passado insiste em
permanecer.
Pois é justamente nas
permanências, especialmente as silenciadas ou silenciosas, mas operantes, e nos
retornos ruidosos e salvacionistas, mas simplistas e apenas travestidos de
novo, que se encontram as maiores resistências. E são também de seu
conhecimento que se podem engendrar as reais possibilidades de encaminhamento
das mudanças necessárias, em defesa do direito de nossas crianças ingressarem
no mundo novo da cultura letrada, o qual, embora há mais de um século
prometido, vem sendo veladamente proibido a muitas delas, que não conseguem
aprender a ler e a escrever.
Em defesa, desse direito de, por meio da
conquista da leitura e escrita e, sobretudo de seu sentido, não serem
submetidas ao dever, apenas, de aprender quando muito, codificar e decodificar
signos lingüísticos, na ilusão de um dia, quem sabe? Poderem finalmente ler e
escrever, se permanecerem na escola e se alguém lhes ensinar, de fato; em
defesa de seu direito de, por meio da conquista do sentido da leitura e
escrita, serem resgatadas do abandono da escuridão e da solidão e não
capitularem frente à proibição de ingressarem no novo mundo prometido.
Bibliografia
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alfabetização e a atuação docente. ED.
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